A cidade não era muito famosa, a
maior parte das pessoas daquele pequeno país à desconhecia. Apesar disso,
via-se nas redondezas repórteres de emissoras importantes fazendo o seu
trabalho. Talvez estivessem ali para mostrar suas belas alamedas, as mais bonitas
entre todas as cidades do lado oeste, e noticiar como o lugar era
pacato. Chamada Naston, surgiu em uma planície ao pé de uma pequena colina
que, proporcionalmente com a altitude do terreno ao seu redor, parecia bem
alta. As pessoas daquele lugar não se importavam com os acidentes geológicos do
terreno, incluindo a planície onde estavam inseridas. Geralmente o clima em
Naston era muito agradável, a temperatura no verão se mantinha quente mesmo
durante as noites, isso ajudava a tornar as noites de verão as mais lindas que
alguém pudesse imaginar. O clima era agradável ao ar livre, porém em lugares
fechados um tanto desconfortável. Por isso as pessoas tinham o hábito de
conversar em frente às suas casas, ao relento, até de madrugada.
Sofia estava em seu quarto, um lugar
muito agradável, com vários pôsteres colados nas paredes; alguns evidenciando
problemas ambientais, outros mostrando as estradas e países vizinhos; e havia o
que Sofia elegeu como o mais belo de todos, por isso colou-o na parede ao lado
da janela, longe de cada raio de sol que poderia danificá-lo. Era um mapa astronômico.
Mostrava as constelações e tinha infográficos explicando e mostrando os
planetas, estrelas, quasares, buracos negros e a Via Láctea. Perto da porta de
seu quarto, que ficava no lado oposto da janela, estava uma estante de livros;
em frente dela a cama; ao lado a escrivaninha onde estudava e na frente dela um
sofá de dois lugares que colocara ali para ocupar o espaço vazio e proporcionar
conforto em suas leituras. Sofia gostava de ficar deitada em seu sofá ouvindo
música ou lendo, e de vez em quando refletia olhando para fora da janela, onde
dava para ver as estrelas formando uma áurea ao redor do contorno da velha
mangueira, plantada por alguém da família. As folhas da antiga árvore
balançavam com o vento, tocando umas às outras levemente, produzindo uma música
que enchia Sofia de um sentimento inexplicável. Era um sentimento de reverencia
à natureza, algo que a fazia contemplar todo o mistério e a beleza das coisas
naturais. Nesse momento o sofá tornava-se obsoleto, desnecessário em preencher
qualquer vazio, e se transformava em algo que roubava sua liberdade.
Nesse instante Sofia saiu de seu
quarto pulando a janela, era a forma mais rápida para escapar daquele lugar,
que agora se tornava sufocante. Logo abaixo de sua janela havia um piso, onde
Sofia pisou descalço e sentiu um calor reconfortante: era a energia térmica que
não dissipara completamente, uma lembrança do dia ensolarado recém passado.
Sentiu no rosto o vento que empurrava as folhas da Mangueira, descobrindo que o
que via do sofá era real e mais emocionante do que qualquer coisa que havia
lido antes. O vento parecia que acariciava lhe o rosto, passava pelos seus
cabelos e zunia bem baixinho em seu ouvido. O som da liberdade! Olhou para o
céu, estava tão estrelado que teve a sensação de estar imaginando seu pôster.
Seus primeiros passos em direção à rua foram feitos quase que automaticamente,
sem perceber o espaço-tempo.
Quando se deu conta estava na alameda
que passava em frente à sua casa. Olhou para frente. Não conseguiu ver o final
da rua, ela era formada por centenas de árvores que se fundiam em sua parte
superior formando arcos por toda sua extensão. Quando o vento aumentava um
pouco Sofia conseguia ver uma luz no final daquele túnel vivo. Era o céu
distante dali. Nunca havia ido até o final daquela rua, naquele horário, sempre
estivera em seu sofá. Ficou imaginando se lá era tão bonito quanto parecia de
longe. Por impulso começou a caminhar naquela direção. Enquanto caminhava,
algumas folhas caiam das árvores e o vento as rodopiavam em seus pés. Sua roupa
estava balançando com o vento, sentia pequenos ciscos batendo em seu corpo.
Sentia uma espécie de coragem misturada com alegria e um tanto de admiração por
todo o universo ao seu redor. Desejava caminhar por toda a eternidade naquela
espécie de epopeia. Passo após passo foi se aproximando do final da rua. O
local que Sofia estava neste momento era iluminado por luzes de alguns postes e
casas localizados nas bordas da alameda. Mas o que estava iluminando aquele céu
no final do túnel? Sofia se perguntava, curiosa. Olhou para o céu à cima de sua
cabeça, havia menos estrelas desde quando estava em seu quarto.
Quanto mais Sofia caminhava mais
aquele céu ficava maior e mais claro, e sua admiração aumentava na mesma
proporção. Já estava quase chegando quando ouviu alguns passos vindo do seu
lado direito. Com um sobressalto sentiu algo encostar em suas pernas. Virou o
corpo bruscamente. Por conta do movimento apenas viu vultos. Seu coração
disparou. Sentiu uma leve vertigem. Então ouviu um ronronar! Sorriu de alivio.
Era um gato negro como a noite, um dos animais mais adorados por Sofia. Ela
realmente gostava dos bichanos. Talvez por ouvir as histórias de que eles eram
venerados como Deuses no Egito Antigo, mas também por seus olhos refletirem a
luz, coisa que a deixava admirada. Os olhos do felino pareciam estrelas
seguindo Sofia, que já estava no final da alameda.
A rua que caminhava acabava ali.
Assim como a cidade, que ficava para atrás. A partir dali o terreno era um
pouco mais baixo, dando para contemplar á leste, no horizonte, uma espécie de
clarão. Sofia pensava que eram as luzes de uma grande cidade das redondezas. Na
direção norte havia a colina, vista por toda a cidade mas ignorada por todos.
Esse morro era coberto por gramíneas, arvores esparsas e alguns rochedos. A
partir dali a alameda continuava por duas estradas de terra que iam em
direções opostas. Um dos caminhos levava até aquele pico, algo grandioso
que se erguia em meio àquela planície.
Sofia olhou para atrás, tentava ouvir
as pessoas conversando em frente às suas casas. A noite estava encantadora. O
vento morno a empurrava á diante. Porque aquela colina é a única nessa
planície? Como ela se formou? O que posso ver lá de cima? O que há depois dela?
Sofia realmente queria respostas. Continuou caminhando...
Sentia o calor vindo da terra, a Via
Láctea desaparecendo sobre sua cabeça. Deixava para atrás as luzes da cidade
com todas aquelas pessoas desprovidas da sensibilidade da vida, apenas
sobrevivendo sem liberdades, desinteressadas pelo universo e seus segredos,
pessoas sem perguntas nem respostas. No meio da reflexão Sofia percebeu que
estava no pé da pequena elevação. Começou a escalá-la. Na verdade tudo que
tinha que fazer era subir andando pela grama, passo por passo até chegar ao
topo. Sofia fez isso sempre olhando para á frente, com a certeza de que seria
recompensada com uma grande visão.
Alguns instantes e já encontrava-se
no topo. Um pouco cansada da subida, virou-se para o sul. Por alguns instantes
não acreditou em seus olhos. Realmente era uma grande surpresa! Sofia
admirou-se com todo o mar de luzes de Naston. Simplesmente a coisa mais bela
que tinha visto. Sentou em uma rocha, o vento ali em cima era mais forte e
incrivelmente mais quente, assim como a grande rocha que estava lhe dando
apoio. Respirou fundo, sentiu o odor que vinha de lugares longínquos. Ficou
admirando toda a cidade lá em baixo e pensando na sua sorte em estar ali em
cima. Sofia se inclinou na rocha para olhar o céu noturno. Percebeu um pequeno
satélite artificial passando; acompanhou-o com os olhos. Estava indo na direção
leste. Mais um pouco e foi necessário virar a cabeça. Percebeu, então, que o
clarão que havia visto anteriormente, naquela direção, estava maior. Olhando
para ele e tentando deduzir o que significava, algo grandioso aconteceu. A lua
começou a nascer no horizonte! A maior e mais linda lua cinza-alaranjada que
alguém tinha visto. Tudo aquilo que vivera foi apenas uma preparação para o
mais lindo dos acontecimentos, algo sublime que Sofia nunca havia presenciado.
Sofia então percebeu todas as coisas que estava alheia presa em seu mundo,
apenas olhando da janela. A Lua estava nascendo em seu perigeu, ponto mais
próximo da terra. O grande astro iluminou toda a terra visível, Sofia então viu
sua sombra, encostou em uma grande arvore e passou a contemplar todos aqueles
eventos em absoluto silêncio, quebrado apenas pelo vento soprando nos
galhos...
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